segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Eu pensei em começar esse blog falando de Administração do Tempo, pois é um assunto sobre o qual me pedem muitas dicas. Quando comecei a procurar algum artigo interessante me deparei com esse artigo que nada tem a ver com Adminitração do Tempo, mas fala de saber administrar a vida em uma situação de risco. Agora o coloco a disposição de vocês para que leiam e pensem a respeito. Achei muito interssante cruzar situações de vida pessoal e risco com lições para o trabalho e vida.

Boa Leitura!
*TODOS OS CRÉDITOS A REVISTA VOCÊ S/A. EDIÇÃO 88, OUTUBRO DE 2005.*



Eu negociei a vida do meu filho
Alexander Lucinski negociou com seqüestradores. Veja as lições que ele tirou para a vida e para o trabalho
Por Marcos Gusmão

Seqüestro. Esse crime, classificado como hediondo por sua crueldade, assusta cada vez mais brasileiros. É que o alvo deixou de ser os multimilionários. Agora é a classe média, com uma agravante. O seqüestrado é escolhido ao acaso. A Divisão Anti-Seqüestro de São Paulo revela que homens de negócios são metade das vítimas -- ou seus familiares. Só em 2004, especialistas calculam que os resgates somaram 9 milhões de reais no Estado de São Paulo. Há pouco mais de um ano, o empresário paulistano Alexander Lucinski, de 50 anos, pai de dois adolescentes, teve o caçula capturado quando ia para a escola. O horror durou 15 dias. Alexander não é milionário. Seu filho foi escolhido aleatoriamente, porque usava o uniforme de um colégio de classe média alta. Engenheiro, com mestrado em automação de rede em processo industrial, o empresário fez carreira nos anos 80 implementando redes de automação bancária. Ele é sócio de três consultorias na área de tecnologia. A principal é a Lucinski, fundada em 1992, especializada em gestão de riscos e de mudança, além de implementação de projetos. Ao longo da carreira, Alexander se viu -- como ocorre até hoje -- em negociações difíceis. Filho de poloneses, intermediou acordos internacionais no estouro da bolha das pontocom. "Numa negociação profissional, abrimos mão de uma posição para concluir o negócio. Num seqüestro, nunca se abre mão do filho", diz. "Depois do que enfrentei, posso negociar qualquer coisa." Neste depoimento inédito, Alexander explica como fez o que chama de "curso intensivo por imersão em negociações extremas" e como sua família vem superando o trauma. "Aceitei o convite da VOCÊ S/A porque quero ajudar executivos e empresários a transformar o ruim em algo que tem um componente de grande valor", diz. "Venci uma batalha que parecia invencível." A seguir, sua experiência.

"SEQÜESTRARAM NOSSO FILHO!"
Era terça-feira, 6h45 da manhã. 3 de agosto de 2004. Meu filho caçula completava 14 anos. A festa de aniversário seria no fim de semana seguinte. Eu estava sonolento quando o telefone tocou. Mal disse alô e minha ex-mulher respondeu nervosa: "Seqüestraram o nosso filho." Quis saber como, mas ela não tinha detalhes. Só sabia que havia sido a caminho da escola. Lembrei que ele ia a pé para o colégio. Em 15 minutos, atravessei São Paulo. A primeira coisa que pensei foi o óbvio: "É um engano". Telefonei para a escola. As salas de aula foram checadas duas vezes. Ele não estava lá. Ainda alimentei a esperança de que nada de grave havia acontecido. Não imaginava que pessoas como eu eram alvo de seqüestro. Para mim, as vítimas eram grandes empresários, que se destacam por suas riquezas. Descobri que não é assim. Existem dois tipos desse crime. Um é chamado de "target" (alvo, em português), quando a vítima é escolhida e seus hábitos pesquisados antes. Em geral, atinge aquelas pessoas muito ricas. O outro, que foi o meu caso, é aleatório. A vítima é determinada pelo local onde mora, pelo tipo de carro que anda ou pela escola que freqüenta. Quem chega primeiro se torna a vítima. Meu filho não teve medo de cruzar com dois estranhos. Caso contrário, talvez tivesse atravessado a rua antes.

"ALO, É UM SEQÜESTRO!"
O telefone tocou no mesmo dia, à tarde. Isso não é regra. Há casos que demoram alguns dias. Ligaram do celular do meu filho para o celular da mãe dele. Eu atendi com a esperança de que fosse um pedido para buscá-lo em um lugar qualquer. Quando vi que não, senti o coração disparar. O cara do outro lado parecia tranqüilo, pediu para falar com a mãe do menino. Eu me identifiquei como o pai. Por alguma razão, o seqüestrador não acreditou em mim. Quando teve certeza, mudou o tom de voz, se tornou agressivo e anunciou: "Isso aqui é um seqüestro". E se tornou violento. De repente, deu o que se chama de primeiro lance: "Um milhão de dólares, 1 milhão, 1 milhão...". Fez a ameaça de morte e desligou.
Quando o bandido bateu o telefone na minha cara, veio o desespero, a sensação de impotência. Eu, que já fiz negociações tensas entre empresas multinacionais, comecei ali a minha pós-graduação em negociações extremas. Aprendi que numa situação de crise os dois lados estão sob tensão. O meu papel, portanto, seria o de evitar que a tensão aumentasse. Quanto mais a temperatura da negociação subisse, maior seria a incerteza dos atos do negociador do outro lado da linha. Era preciso tranqüilizá-lo o tempo todo para que a negociação se desse numa situação o mais previsível possível. Nesses primeiros dias, porém, nada foi previsível. O próximo telefonema só veio dois dias depois, cheio de ameaças e xingamentos pessoais. A notícia havia saído nos jornais.



"EU QUIS SER O NEGOCIADOR"
Numa crise, é fundamental ter clareza sobre os papéis que cada um dos participantes deve exercer. Eu rapidamente determinei qual era o meu. Eu seria o negociador. Puxei para mim todas as decisões. Fiz isso por dois motivos. Primeiro, por ser o pai. Eu amo meus filhos e não colocaria a vida deles nas mãos de mais ninguém. A segunda razão era minha experiência em negociação no mundo corporativo. Como negociador, minha primeira decisão foi a de pagar o resgate -- não no valor pedido, pois não tinha 1 milhão de dólares. (Nota da redação: em geral, a polícia orienta a família a pagar o resgate após negociação feita com o apoio de seus especialistas.) Minha segunda decisão foi um erro. Quis resolver o mais rapidamente possível. Imaginava que todas as ameaças telefônicas estavam sendo cumpridas no cativeiro. Que meu filho estava sendo torturado, algemado e passando fome. Na conversa com o seqüestrador, disse que ia pagar, mas exigi num tom agressivo de voz que meu filho fosse devolvido logo. O sujeito do outro lado não se intimidou. Mostrou-se ainda mais violento. Meu erro foi acreditar que poderia levar a cartilha da negociação corporativa ao pé da letra numa situação dessas. A diferença era que agora eu não tinha controle nenhum sobre o caso. O protagonista, quem ditava as regras, era o bandido.


DIAS DE ESPERA E APRENDIZADO
Nos primeiros dias, como eu achava que resolveria rapidamente o seqüestro, nem me desliguei totalmente do trabalho. Avisei ao meu sócio e à secretária. A ela, disse que estaria disponível caso algum cliente ligasse, mas logo percebi que não tinha cabeça para outra coisa que não fosse o meu filho e o passo seguinte da negociação. Busquei todo o conhecimento e o apoio disponíveis no mercado. Reuni uma equipe de especialistas. Minha ex-mulher, que é psicóloga, apoiava a mim e a nosso filho mais velho. Ela também administrava a ansiedade dos parentes. O médico da família estava sempre por perto. Um especialista nesse tipo de negociação se transformou no meu braço direito, meu anjo da guarda. Ficou comigo 24 horas por dia, me abasteceu com todo tipo de informação sobre seqüestros. Até os mais dramáticos. Existia uma tensão muito grande na cidade porque outras crianças também foram seqüestradas na mesma época em São Paulo.

Durante os 15 dias de negociação, li tudo que pude sobre a dinâmica desse crime, conversei com vítimas e familiares, estudei como se deram outras negociações do gênero. Fiz o que chamo de curso intensivo por imersão total. Aprendi que é fundamental chamar a polícia. Esse é um dos meus grandes conselhos para todos os que passam o que eu passei. Ninguém deve fazer uma jornada desse tipo na ingenuidade, sem conhecer como o outro lado funciona. Apesar de toda a experiência de negociação que eu tinha, estava limitado a um conjunto de regras relativamente restrito ao mundo dos negócios. Ética e transparência aqui não querem dizer nada. No seqüestro, vale tudo. Na empresa, é natural que você abra mão de certos ganhos para fechar o negócio. No seqüestro, você não abre mão de nada. Seu único objetivo é trazer o filho de volta. Agora, eu estava sujeito às regras limítrofes da vida e da morte.

Fui orientado, por exemplo, a fazer exercícios físicos todos os dias. Como havia a indefinição de quanto tempo ia durar, tinha de preservar a minha saúde. Quem negocia num momento de crise tem de pensar nisso. O que adianta enfartar no meio do processo? A conversa voltaria para a estaca zero. Eu não conseguia dormir direito por causa da tensão, mas os especialistas diziam para eu respeitar a minha rotina. No momento normal de dormir, dormir. No de acordar, acordar. Era para viver o mais perto da normalidade possível. Quebrar os ritmos é besteira. Não comer, não dormir, não tomar banho, não fazer a barba, não agrega valor à negociação. Eu me vestia todo dia direitinho, tomava banho, fazia a barba. Só precisei fazer alguns ajustes que o seqüestrador impôs. No começo, ele telefonava sempre numa determinada faixa de horário. Não ligava a qualquer hora. Na fase final, passou a ligar no meio da noite, de madrugada.



A ÉTICA DO BANDIDO
Há fases definidas na negociação de um seqüestro. A primeira é pura e simples: intimidação. Foi quando ouvi os xingamentos e as ameaças de morte. Nessa hora, o bandido quer descobrir quais são os limites do negociador. O quanto eu seria duro, em que seria flexível, até que ponto estava disposto a pagar o resgate. A fase seguinte é a da negociação de verdade. Quando se tenta chegar ao valor do resgate. Nessa etapa, os dois lados têm uma conversa mais lógica. De um lado, está claro que o resgate será pago, e do outro, tem-se a promessa de que o filho será libertado. O acordo verbal é o desfecho da negociação. É como se fosse a assinatura de um contrato dos velhos tempos. É difícil de entender, mas existe ética do lado de lá, e ela é baseada na palavra. Mesmo que o bandido se mostre menos agressivo nesse momento, os especialistas recomendam nunca ignorar a ameaça de morte. Seu filho pode ser machucado até o último instante.

Nas negociações de trabalho, eu sempre assumi o papel de protagonista. Gosto de controlar e gerenciar todo o processo. Deixo isso explícito seja com o cliente, o fornecedor ou o par. Meu objetivo sempre foi o de conduzir as conversas em bases racionais e éticas, buscando uma relação ganha-ganha. Se as negociações são ganha-perde, elas viram um jogo de pingue-pongue. Uma hora você ganha, uma hora o outro ganha, e a negociação se degenera até um modelo perde-perde. Eu fui treinado a buscar as situações ganha-ganha. Ao assumir a negociação do seqüestro, percebi que não controlaria uma das variáveis mais importantes numa crise. A variável tempo. Não adianta ter pressa. No começo, eu não estava preparado física e emocionalmente para uma situação sobre a qual não tinha o controle. Se me dissessem que seriam 15 dias, eu não acreditaria. Percebi que negociações de seqüestro podem durar várias semanas. Acompanhei e soube de histórias que levaram meses e até mais de um ano.

JOGO DE EMOÇÕES
Numa negociação como a que enfrentei, sua história precisa ser crível, misturada de verdades, mas ninguém deve abrir todo o jogo com o outro lado. Não tenha vergonha de omitir informações sobre seu patrimônio, mas cuidado, porque você não sabe o que a vítima está dizendo no cativeiro. Essa negociação não é justa. Seu filho foi levado e, para devolvê-lo, o cara quer alguma coisa sua em troca. Se ele pudesse tirar tudo e mais um pouco, ele faria. Você só quer a vida do seu filho. É um impasse muito complicado.

Aprendi a usar o tom de voz de acordo com as circunstâncias da negociação. Hoje sei que o seqüestrador, do outro lado, também interpreta, mente, joga com as emoções. Na hora de fechar o resgate, por exemplo, mesmo que você não esteja no seu limite financeiro e emocional, precisa demonstrar que está. Fiz isso de forma gradativa e consistente, para não chegar ao limite no primeiro instante. Fui orientado a não mudar drasticamente a realidade percebida pelo bandido, seja para pior ou para melhor. Há momentos específicos de chorar, outros de ser extremamente sereno. Se o bandido usa um tom de voz de ameaça, você deve mostrar desespero. Mesmo que isso signifique encenar o choro. Eu interpretei algumas emoções. Fiz isso porque tinha de passar a emoção que o outro deveria perceber como real em mim. Houve momentos em que precisei fazê-lo enxergar que eu havia chegado ao limite. Até hoje não sei se de fato havia chegado ao meu limite, mas o bandido achou que sim.

A negociação se dá, portanto, pelo valor percebido pelo seqüestrador, e não em bases reais. Considere o que a quantia significa para ele. O cara pode começar a partida pedindo 1 milhão de dólares, como pediram para mim. Será que ele tem idéia do quanto é em espécie 1 milhão de dólares transformados em reais a ser entregues numa viela? Acho que não. São três malas grandes, daquelas dos sacoleiros que vão ao Paraguai. O criminoso fala 1 milhão como uma referência imaginária. Por isso, foi preciso trazer a negociação para o que era viável para mim e dentro da percepção de valor dele. Há casos de pagamentos de valores baixos, quando 500 reais podem ser suficientes. No meu caso, paguei um valor 200 vezes menor que o primeiro lance do bandido. Quando fiz minha primeira contraproposta, o bandido respondeu com a ameaça de matar o meu filho. Na seqüência, pediu para eu aumentar o valor. Os especialistas me orientaram a não temer negociar um valor viável. É preciso compreender que cada vez mais os criminosos tentam estruturar o seqüestro como um negócio. Eles, inclusive, se referem à quadrilha como "firma" e, entre eles, quando vão cometer o seqüestro, dizem que vão "trabalhar". Não duvido que muitas dessas "firmas" façam plano estratégico, desenvolvam planos de ação, se aperfeiçoem de forma muito estruturada, como qualquer empresa. O narcotráfico já funciona assim.



O REENCONTRO COM O FILHO
O pagamento do resgate não pode ser feito sem a garantia de que você negociou com a pessoa certa. (Nota da redação: há casos de seqüestro em que outras pessoas ligam para a família, negociam, recebem o resgate, mas não são os verdadeiros seqüestradores.) Para ter certeza de que aquele negociador estava com meu filho, me deram informações dele. Eu não as aceitei. Dizer que ele era assim ou assado, ou que ele falou alguma coisa, não eram provas. O seqüestrador podia ter obtido essa informação dez dias atrás e hoje meu filho estar morto. Pedi que me desse outra prova. Formulei uma pergunta que só poderia ser respondida se ele estivesse vivo. A resposta veio no mesmo dia e estava correta. Era a prova de que eu precisava. Como ele estava? Não tinha a menor idéia. Na fase inicial da negociação, o bandido dizia que meu filho estava mal, passando fome e frio, privado de todo conforto. Quando a negociação caminhou para o fim, o criminoso procurou amenizar a tensão, dizia que ele estava bem, mas exigia que eu fizesse a minha parte para que ele continuasse bem. A essa altura, o seqüestrador não quer que você tenha alguma reação abrupta na fase de pagamento. Quanto mais você acha que seu filho está mal, mais desesperado fica. O maior erro nessa hora é bancar o herói, tentar enganar o bandido ou ameaçar só entregar o dinheiro quando devolverem o filho.

O pagamento é uma fase de altíssimo risco. Conforme o combinado, eu entreguei o resgate. Subi numa favela de São Paulo, de madrugada, caminhei por uma rua escura, sozinho. Deixei a bolsa no lugar combinado sem olhar para trás. Estava usando uma calça jeans e apenas uma camiseta justa, apesar do frio. O bandido queria ter certeza de que eu não estava armado. O seqüestro no Brasil não acontece como nos filmes americanos, nos quais alguém fica de um lado da ponte com o dinheiro e o refém do outro. A mala é entregue e a vítima corre em liberdade. No Brasil, primeiro você paga. Daí você espera sem nenhuma garantia de que a pessoa que ama vai ser libertada. A única coisa que eu tinha era a palavra do bandido. E esperei muito. Passei um dia inteiro e parte de uma noite sem notícias. Para não cair em desespero, acreditei mais uma vez nos especialistas. Segundo eles, a libertação não havia sido feita porque raiou o dia. Por cautela, para evitar identificação, os bandidos deixaram para libertá-lo na madrugada do dia seguinte. Eu havia pedido a eles para não deixar meu filho em qualquer lugar. Que o colocassem num táxi. Eles cumpriram a palavra. Quando a campainha tocou, sabia que era ele. Abri a porta e o abracei. Instintivamente, dei as costas para a rua, protegendo-o com meu corpo, imaginando que poderia haver algum bandido por perto, ou mesmo que começaria uma troca de tiros entre os criminosos e a polícia, que, a essa altura, fazia nossa segurança. O médico da família o examinou. Meu filho estava 5 quilos mais magro, desidratado, mas não tinha sido molestado nem torturado. De certa forma, o trataram bem no cativeiro, se é que viver 15 dias num banheiro minúsculo de um barraco seja bom. Ele chegou a conversar com os carcereiros. Quis saber os motivos que os levaram ao crime. Ouviu o discurso da injustiça social e da falta de trabalho. Um dos seqüestradores admitiu que enxergava no crime uma forma de ganhar muito dinheiro.

DE VOLTA A VIDA NORMAL
Meu filho disse ter compreendido as razões dos seqüestradores. Percebi que ele passava pela Síndrome de Estocolmo. (Nota da redação: situação na qual a vítima de seqüestro fica do lado dos seus algozes.) Também temi que ele ficasse traumatizado. Por isso, quis expô-lo rapidamente ao mundo, inseri-lo na rotina normal. A intenção era evitar uma reação semelhante a de quem evita dirigir depois de bater o carro. Então, o que eu fiz? Meu filho chegou de madrugada, tomou banho, estava a quase duas noites sem dormir, mas não ia deitar durante o dia. Fizemos questão de sair com ele horas depois. Fomos tomar chocolate quente num shopping. Minha ex-mulher e meu outro filho nos acompanharam. Fomos sem nenhuma parafernália de segurança. Ficou claro como isso foi importante para fazer a família entender que tínhamos voltado à vida normal. O menino não voltava para outra jaula, não teria um cativeiro doméstico. Algumas famílias reagem assim depois do seqüestro. Claro, não quis expor meu filho ao risco, mas à vida. Ele precisava ver gente e perceber como a vida é boa.

Logo começamos a brincar que ele tinha ido para um spa. À medida que interagimos, surgiu a curiosidade dos dois lados de descobrir o que tinha acontecido simultaneamente para cada um. Concordamos em chamar o ocorrido de "viagem". Sugeri -- ele concordou -- que escrevêssemos nossa experiência. Escrever ajuda a pôr para fora e encerrar o assunto. Não se fica mais remoendo. Nessas conversas, descobri como um pai pode estar ligado a um filho. Durante o seqüestro, às vezes eu era tomado por uma sensação de serenidade sem motivo. Esses haviam sido momentos tranqüilos para ele também. No final da negociação, sonhei com um barraco numa favela, onde eu só avistava a janela, mas sabia que ali dentro estava meu filho. Seu cativeiro, ele me contou, era muito semelhante ao do meu sonho.

Passados alguns dias de conversas, viajamos em família para dar um tempo nos cenários que lembravam o seqüestro. A viagem permitia também a exposição pública. Tivemos momentos de euforia, de depressão, de negação, até chegar à aceitação. A questão era enxergar o seguinte: a vida é muito ampla. Meu filho havia tido contato com o submundo, mas quis fazê-lo enxergar toda a realidade.

Depois que voltou para casa, meu filho quis saber qual era a visão dos amigos e dos parentes. E qual era o ponto de vista do bandido e o do policial. Ele enxergou a solidariedade das pessoas, algumas nem tão próximas, que foram muito calorosas na forma de participar e ajudar. Meu filho percebeu como há gente de bem, que ajuda desinteressadamente. Viu também a indignação dos outros. Foi recebido com festa na escola. Até faixa tinha. Isso mostra o valor da vida. Nós superamos o estresse fazendo coisas, não ficando na cama dormindo. Também aumentei, nesse último ano, meu esforço para ficar junto da família. Quantidade de horas não quer dizer nada. A questão é a forma como se dá o relacionamento. Todos nós admitimos que não dá para alimentar ódio pelos bandidos. É um sentimento que mata os dois: quem odeia e quem é odiado. O dia seguinte do seqüestro leva você a fazer opções com desdobramentos negativos e positivos. Meu filho enxergou que precisava sair da posição de vítima. Ele não tinha sofrido sozinho. Percebeu que seus amigos na escola também tinham passado pela fantasia da privação de liberdade, de tortura e de morte eminente. O seqüestro é um crime hediondo, pela carga emocional que provoca e pela capacidade de propagar a fantasia do horror.

No dia que meu filho voltou do cativeiro, recebi um telefonema depois do almoço de um parente de uma vítima seqüestrada naquela manhã. Ele me pediu orientação. O maior apoio que eu poderia dar é o relato de quem passou por essa experiência e o resultado final foi positivo. A ajuda da polícia é indispensável. Ao longo do último ano, fui consultado outras vezes. Dei algumas orientações, sempre fazendo questão de envolver os especialistas num trabalho de parceria.

Há dois meses, comemoramos os 15 anos do meu caçula. Nesse último ano, o observei e refleti se era correto chamá-lo de sobrevivente. Com o tempo, ele viu que a experiência ruim o capacitou a compartilhar com outras pessoas o que lhe aconteceu, como eu vinha fazendo desde o dia em que ele retornara. Desde então, vem conversando com outras vítimas e seus parentes. Por essa forma proativa durante e depois da crise, só posso chamá-lo de herói. Ele voltou cheio de cicatrizes emocionais e vai lembrar do seqüestro o resto da vida. Não dá para dizer "isso não aconteceu". É preciso digerir o ocorrido. Mas, a cada aniversário daqui para a frente, o seqüestro terá perdido mais do seu potencial destrutivo.

NA MIRA DOS SEQÜESTROS
A Divisão Anti-Seqüestro (DAS) da polícia de São Paulo identificou que homens de negócios e famílias de classe média viraram o alvo preferido de seqüestradores. Segundo Wagner Giudice, diretor da DAS, no ano passado 66% dos seqüestrados eram homens (55% empreendedores). Casos como o seqüestro de grandes empresários, como Abílio Diniz e Washington Olivetto, apesar de fazerem muito barulho, são exceção. Desde 1986, houve
seis deles. Presidentes e vice-presidentes representam menos de 10% dos casos. "Eles não
são o alvo principal porque os seqüestradores já sabem que há uma norma mundial
de segurança: empresas não pagam resgate", diz Wagner. Crianças de 10 a 12 anos representam cerca de 3% dos casos e, muitas vezes, estão acompanhadas pelas mães. Jovens de 12 a 18 anos são uma fatia entre 10% e 12%. Desde 2002, a polícia paulista prendeu 98 seqüestradores e estourou 202 cativeiros. Este ano, até o segundo trimestre, 78 seqüestradores foram presos e 20 cativeiros foram localizados.

Por Fernanda Bottoni

PROTEJA-SE
- Fique atento se há alguém o seguindo. Se houver, não pare o carro nem entre em casa. A melhor alternativa é se dirigir para um local de grande movimento. Aí, sim, estacione e chame a polícia.

- Observe se existem veículos estranhos parados em sua rua. Os bandidos podem se disfarçar de operários que fazem reparos intermináveis na esquina de sua rua. Nessas situações, também não entre em casa. Telefone para a polícia e avise sobre sua suspeita.

- Ao entrar ou sair da garagem, observe se não está sendo vigiado. Os seqüestradores costumam atacar as vítimas no momento em que colocam o cinto ou desviam a atenção da rua para ligar o carro.

- Evite rotina. Mude de itinerário e se possível de horário para ir e voltar do trabalho. Faça isso até para levar os filhos à escola. Uma variação de 15 minutos atrapalha os bandidos.

- Oriente seu filho a não passar por ruas de pouco movimento. O ideal é que ele nunca vá sozinho para a escola. Ele deve ser levado de carro e desembarcado dentro do colégio ou bem próximo a ele.

- Tente não dar sinais evidentes de seu padrão de vida. Carros mais modestos, naturalmente, chamam menos atenção. Executivos que andam com carros blindados e escolta devem providenciar o mesmo esquema de segurança para a família.

- Suspeite de telefonemas pedindo informações sobre nomes dos moradores ou hábitos da casa. Instrua crianças e funcionários a não comentar sua rotina.

- Mantenha-se atento nos cruzamentos. Se possível, não encoste no carro da frente, deixando um espaço para manobrar.

- Se alguém da família for seqüestrado, chame a polícia, mesmo que os bandidos ameacem fazer algum mal à vítima. A polícia tem conseguido resolver nove em cada dez casos de seqüestro, seja por pagamento de resgate ou por estouro do cativeiro e prisão dos bandidos.

Fontes: polícia e especialistas em segurança

1 comentários:

Lulu on the sky disse...

è dramático mesmo o sequestro. Li um livro que chamava Na Toca dos Leoes do Fernando Moraes, q narra a historia da W/Brasil mas ao mesmo tempo relata o periodo que o Washington Olivetto ficou sequestrado, olha é dramático.
Mandou bem no post.
Show de bola a montagem.
Ameiiiiiiiii
Big Beijosssssssssssss

 

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